segunda-feira, 26 de fevereiro de 2007

Atrás de ti...


Senão todos algum
de nós reproduz diversos os mesmos lugares.
E aquela que entra no verso para o percorrer
atrás da tua sombra serei eu.

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007

Canção de embalar


Dorme meu menino a estrela d'alva
Já a procurei e não a vi
Se ela não vier de madrugada
Outra que eu souber será p'ra ti

Outra que eu souber na noite escura
Sobre o teu sorriso de encantar
Ouvirás cantando nas alturas
Trovas e cantigas de embalar

Trovas e cantigas muito belas
Afina a garganta meu cantor
Quando a luz se apaga nas janelas
Perde a estrela d'alva o seu fulgor

Perde a estrela d'alva pequenina
Se outra não vier para a render
Dorme qu'inda a noite é uma menina
Deixa-a vir também adormecer

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2007

Bruma...


Vinham rosas na bruma florescida
rodear no teu nome a sua ausência.
E ai se coroavam, e tingiam
a apenas sombra de sua transparência.

Coroavam-se a si. Ou no teu nome
a mágoa que vestiam madrugava
até que a bruma dissipasse o bosque
e ambos surgissem só lugar de mágoa.

Mágoa não de antes ou de depois. Presente
sempre actual de cada bruma ou rosa,
relativos ou não no espelho ausente.

E ausente só porque, se não repousa,
é nome rodopio que, na mente,
embruma a brisa em que se aviva a rosa

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2007

Acordado!

"De manhã, quando as portas estavam fechadas, todos queriam entrar; agora que ele tinha aberto uma das portas e as outras, ao que tudo indicava, tinham sido abertas durante o dia, não vinha mais ninguém, e as chaves estavam todas na fechadura pelo lado de fora."

terça-feira, 20 de fevereiro de 2007

Sanvean (I am your shadow)

Te extraño, te olvido, te amo...


"Te extraño, porque vive en mi tu recuerdo
te olvido, a cada minuto lo intento
te amo, es que ya no tengo remedio
te extraño, te olvido, te amo de nuevo..."

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2007

Mas que sei eu


Mas que sei eu das folhas no outono
ao vento vorazmente arremessadas
quando eu passo pelas madrugadas
tal como passaria qualquer dono?
Eu sei que é vão o vento e lento o sono
e acabam coisas mal principiadas
no ínvio precipício das geadas
que pressinto no meu fundo abandono
Nenhum súbito súbdito lamenta
a dor de assim passar que me atormenta
e me ergue no ar como outra folha qualquer.
Mas eu que sei destas manhãs?
As coisas vêm vão e são tão vãs
como este olhar que ignoro que me olha

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2007

Coisa Assim


S'eu morrer de amor por ti
Ai leva-me a enterrar
Dentro daquela careta
Que fizeste numa hora
Em que me estavas a olhar
E a rir te foste embora
E eu quase vi o meu fim
Se eu morrer ou coisa assim
Faz desse riso um cantar
Para te lembrares de mim

Neste corpo dimensão
Que volume tem a crença
Qual a forma da diferença
A altura da paixão
A medida do valor
A largura da razão
A proporção do amor
Qual o tamanho do medo
A geometria da mão
O que é que nos mede a dor

Disse-te adeus quem diria
Eu até nem dei por nada
E digo mais nem sabia
De história tão mal contada
Nem mentira nem verdade
Mas como é que isso se sente
É como se o tempo um dia
Descobrisse a realidade
E a prendesse de repente
A ficar eternidade

terça-feira, 13 de fevereiro de 2007

Clock

O meu olhar encontrou o teu, esvaimo-nos em sorrisos tortos, conversas de café. Cheguei a corar uma ou outra vez! Tinha dificuldade em te encarar, porque os meus olhos encontravam a luz dos teus. Fitava-te cegamente, senti penetrares o meu sorriso. Perdia-me. Falei sobre um livro presente, um rasgo da minha imaginação daquilo que quis ser algum dia, mas que ficou perdido e já não interessa. Ou melhor, interessa só pela contemplação do belo, pelo poder que a arte evoca no meu corpo. O certo é que ainda me deslumbro, por vezes, emociono-me.
Fixei a retina no relógio de cuco suspenso atrás de mim. Ansioso por ver-te segui o fino ponteiro, quase irreconhecível, que percorre menos de metade de um quarto do círculo imaginário, que não viola o imaculado mostrador branco de um retábulo que se confunde com a clara parede _ o relógio de cuco. Guardo-o comigo, a ele e à projecção da sua sobra sob uma ténue luz, que apazigua o espaço. Torna-o quente, enquanto a tua presença me distrai e faz vibrar. A sombra ganhou contornos reconhecíveis, agora. Voltei a encontrar-te depois de rodopiar sobre mim. Mas já não sei se continuas ali ou se partilhas apenas o mesmo espaço. Um espaço que nos era comum, onde possivelmente nos teríamos cruzado e onde te encontrei.

domingo, 11 de fevereiro de 2007

Soneto do Amor Difícil

A praia abandonada recomeça
logo que o mar se vai, a desejá-lo:
é como o nosso amor, somente embalo
enquanto não é mais que uma promessa...

Mas se na praia a onda se espedaça,
há logo nostalgia duma flor
que ali devia estar para compor
a vaga em seu rumor de fim de raça.

Bruscos e doloridos, refulgimos
no silêncio de morte que nos tolhe,
como entre o mar e a praia um longo molhe

de súbito surgido à flor dos limos.
E deste amor difícil só nasceu

desencanto na curva do teu céu.

sábado, 10 de fevereiro de 2007

Quero-te

Queria poder ver-te
todas as horas do dia
e poder
viver a tua alegria

Pegar-te na mão,
percorrer o teu corpo
E abraçar-te,
eternamente

Queria poder
impregnar-me de ti,
sentir o teu cheiro
atordoar-me os sentidos

Já não te vejo,
apenas te guardo comigo
inquietas-me a alma
mesmo que tenhas fugido

Quero-te!

Deixa

Deixa o bater das asas
e a correnteza
deixa

deixar beijar o ar
na beira da praia
deixa

um rabo de arraia
o mar
vai sem demora
a nuvem desmaia
deixa
o tempo passar

deixa
o tempo parar

deixa ser côr
de azul
de ser você
deixa o tempo passar

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2007

Cristal


Tinha algum vinho ainda o copo que atirei
Por cima do meu ombro e foi cair ao Tejo
De madrugada, amor, e havia esse lampejo
Do fogo em teu olhar a impôr-me a sua lei

Da minha sombra à tua, em sombras pelo cais
Tinha um som ainda rouco o fado que eu cantava
Tão perto já de ti, não sei se respirava
Nem se era para sempre ou para nunca mais

Meu amor, meu amor, por quanto me dizias
Estranho murmurar levado pelo vento
Por quanto era paixão e agora é desalento
O meu rosto estremece em águas tão sombrias

Por quanta embriaguês então nos consumiu
Fiquei como o cristal, mas creio que esqueceste,
Do copo em que eu bebi e tu também bebeste
Que foi cair ao rio e nele se partiu

terça-feira, 6 de fevereiro de 2007

Não

Não me atrevo a comentar as doces palavras que escreves ou os sussurros que oiço da tua alma.Sinto a proximidade, que é inevitável e o desejo de te ver que me assalta cada manhã, todos os dias, para todo o sempre. Algo me diz que não é para sempre, porque nada é para sempre. Mas contento-me com pouco, como diriam na aldeia. Alegro-me por te ver. Não comento. Nada digo! O silêncio quer dominar-me. Nem deveria escrever estas palavras. Deveria limitar-me a ver-te desaparecer, enquanto o cheiro da tua pele ainda se confundisse comigo... Como se fosses parte de mim, um odor vibrante e luxuriante de alegria, que se esvai, se evapora. Foge!

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2007

Não...

Se ouves a mesma música
Não sei,
Se sonhas com o amanhecer
ou com a aurora perdida.
Se me trazes contigo,
Não sei!
Se quero dar ou vender
a inocência perdida.

sábado, 3 de fevereiro de 2007

Noite

"Fosse eu um brilho teu
Que brilhando, brilhasse
P'ra iluminar teu céu
Noite, sou só um triste olhar
Que se perde nos olhos
De quem me quer olhar "

O fascínio da noite cantada, que me enleva a alma com a tua presença, sem explicar.

"As vidas prendem-se às vidas
Com grades insuspeitadas"

Estranho!

Como um ladrão que nos invade a casa a meio da noite. Furtivo, dilacerante penetra no nosso corpo. Acaba por nos rasgar a alma corrompida pela tristeza ou por algum outro sentimento. A pureza, essa abandonei-a à muito...

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2007

Serei?


Não sou nada.

Nunca serei nada.

Não posso querer ser nada.à parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.




O Quinto Elemento

Acordo! A manhã é diferente.O chilrear dos últimos pássaros que habitam as copas das árvores, anunciam a luminosidade sombria do dia. As nuvens flutuam agora, passados os dias de fastio, quentes e longos, ainda frescos na memória e na pele. Olho pela janela. A rua está deserta! Apenas o Sol, melancólico, faz brilhar as gotas de orvalho esquecidas pela madrugada.Saio de casa debaixo de um céu cinzento e sóbrio que se adensa sobre a minha insignificante pessoa. De repente sinto-me rodeado de uma Natureza intacta, provocada apenas por um sopro de ar gélido, que me arrepia. Encontro o António. Vejo-me nele.Os plátanos, outrora verdes, vestem-se agora de um colorido amarelo ocre que domina o espaço à minha frente. Erguidos com supremacia, tocam as nuvens, perfuram-nas como uma rocha aguçada rasga um barco de borracha e desintegra a sua frágil e vulnerável forma e mostram as suas garras que emergem deste solo rico, por vezes árido e infértil, da planície alentejana. Caminho mais um pouco, parando ao som do ranger das rodas de um carro de mula sobre a calçada de paralelos. O seu condutor, um velho, em cujo rosto estão marcadas as mágoas e as saudades de um passado longínquo que os seus olhos querem ver projectados no futuro, mas não alcançam. As suas mãos agrestes, representam o saber de quem tem uma grande experiência de vida. Conhecem como ninguém a dureza da enchada que talha a terra. Têm a lembrança de um sol abrasador que se revela no Verão, escaldante, na solidão dos campos de trigo, nas vinhas e nas costas de todos os que as trabalham.Sem mais pensar em nada, afigura-se-me na mente a vinha onde trabalhei no Verão passado! Aí tive o contacto mais directo com as pessoas da vila, o trato de igual para igual, o verdadeiro companheirismo… Com aqueles que trabalham no campo, que coabitam na sua simplicidade a vida, no infortúnio de uma alegria que é viver a cada momento que se morre, mas sem que disso se apercebam, ou melhor, finjam não aperceber-se. E fazia muito calor! A sua boca gritava o verdadeiro sentido da palavra simplicidade, quando as gargantas secas, requeriam água que lhes matasse a sede. À hora de almoço, reuniamo-nos debaixo de um chaparro que havia no alto de uma colina, de onde se avistava a vila, resplandescente de calma. A estrada de alcatrão rasgava as searas douradas. Os montes, pequenas colinas, davam relevo ao traço distante do horizonte que o Criador manchava de laranja e vermelho e um sem fim de amarelos, no final de cada tarde… E havia também tons de azul e pássaros a voar em bandos, pássaros com asas soltas ao sabor do vento Suão, navegando sem rumo. Eu, lembro-me, em pé, maravilhava-me com o sentimento que me proporcionava o pôr-do-sol. Sabia que anunciava a noite, mas era nesse momento que tinha a certeza de um novo dia, mesmo que eu já não o habitasse.As badaladas do sino da torre da vila propagam-se pelo infinito, atordoam-me os sentidos, sinto-as finalmente acariciarem-me os tímpanos. É este som etéreo que me faz regressar ao presente. Diambulo entre sussurros que flúem nas travessas das ruas, nas encruzilhadas de caminhos, onde casinhas, completas sinfonias de branco caiadas convivem harmoniosamente com casarões antigos, cúmplices de segredos seculares, tal como a mais sincera das amizades. Recordações, hábitos e tradições, as nossas raízes, que nos fazem esquecer a proximidade ao terceiro milénio.O último passo de uma escada faz-me sentir o aroma da terra batida, molhada, que se mistura com o cheiro das castanhas que estalam no fogo incandescente de uma fogueira. Continuo a andar vagarosamente, olhando o meu entorno e detenho-me, por alguns segundos, frente a um lago onde algumas folhas flutuam. Vejo a minha imagem reflectida na água, enquanto o vento, incita as folhas secas, inertes, caídas no chão, a brincar. Elas correm com o vento. É como se voltassem a estar animadas… Pisar a terra provoca-me uma satisfação que me invade o pensamento e o espírito. A beleza deste quadro vivo faz-me pensar na minha existência. Ver conjugados os quatro elementos da Natureza, transporta-me para a imensidão do quinto elemento, a existência, a condição da vida e de ser humano. O que sou, o que faço no mundo, o porquê de tudo, até de morrer. Sim! Porque me intriga o nada ser depois da morte, de acabar o ser vigoroso que eu sou, o não pertencer a este mundo, o não obedecer à dinâmica da vida. Até este simples banco de jardim, isolado, onde me sento e reflicto, existe. Pertence à minha realidade, tal como a pinto, apesar de ser desprovido do essencial: a vida, os sentimentos, os desejos…Eu sou parte integrante deste cenário deslumbrante, cuja criação me transcende, já que a minha existência elementar é dominada pela Natureza, que ao mesmo tempo, a mim se subordina. Conheço essa Natureza como ao meu suspiro perante a noite, como ao choro do luar de Agosto e à melancolia tardia das noites de Maio. Porque à noite, é inevitável mergulhar no indecifrável azul do céu e enxugar as lágrimas prateadas da Lua. Estas iluminam a nossa existência e permitem reconhecer as nuvens, que se assemelham a perfis, silhuetas, irreconhecíveis, que se esvaem no meu pensamento… É o deslumbramento da alma perante a grandiosidade do Universo, de uma acção, de uma simples acção… O algo que fazemos habita o ínfimo do espírito para toda a eternidade do nosso ser. Mesmo que não estejamos presentes.Um gesto brusco descobre uma majestosa noite, elevada pelo charme de uma luz forte, que a circunda, sob uma abóbada de pequenos pontos que teimo em observar. Lá fora as cegarregas cantam sem cessar. De novo a aura da Lua! Sinto-me cheio, pleno de vida e revoltado com a efemeridade daquele momento, daquela sensação ser única. O meu grito forma-se nas entranhas de um corpo palpável em que vive a liberdade de um ser maior perante mim, e ao mesmo tempo, de um ser mínimo, diante dos sentimentos. Grito! Grito porque quero e posso e porque sei que a existência da felicidade não se traduz por uma palavra, mas sim pela incapacidade de a conhecer integralmente e a impossibilidade de a saber explicar aos outros.A noite traduz-se numa alvorada que ouço, ainda que longe, mas ouço-a. No relógio pendurado na parede, as horas passam lentamente. Esse sentimento de lentidão é recíproco na minha alma e na minha cabeça. Acendo um cigarro e caminho para a luz, encosto-me à ombreira de uma porta aberta sobre a planície. Está fresco o ar! Abro a porta às minhas recordações, sim… às memórias que o tempo deixou retidas no meu pensamento.A infindável noite que se abate e atravessa a própria reversibilidade da cor do céu e da linha horizontal que serve de ponto de partida para todas as viagens da minha mente. Leva-a. Leva-a, mas não a deixes voltar a este mundo real e à capacidade de ser uma potencial vítima desse tão falado rigor, que não existe. Não me devolvas à realidade que em nada é sonho. Ou será que é uma real utopia? Uma visão fantástica da realidade e da felicidade ou um delírio numa noite de febre, em que o rubor do termómetro acelera o ritmo quente da imaginação humana. Essa imaginação, minha e nossa, mas muito própria de cada um. Mas traz-me de volta. Deixa-me voltar ao mundo dos vivos, porque quem vive na ilusão não pertence ao mundo dos ignorantes e não pode conhecer quem o faça feliz. E como pode haver conhecimento sem que haja ignorância? Eu quero viver na ignorância para poder conhecer a realidade. Porque o irreal só existe porque há real e eu sou uma realidade… Apesar de concreta aos olhos dos outros, sou uma realidade sem definição ou contorno possível de descrever… o nosso ser é indescritível.Cada vez mais, a cor escura do céu se esbate num amarelo resplandescente que cega os olhos mas apura a vida. O despertar da vida, esquecida na vila, mas apenas apaziguada nos campos.E eu fui feliz.

A Casa da História

"Com um chão frio de pedra e paredes sombrias e sombras ondulantes em-forma-de-navio. Lagartos roliços e translúcidos viviam atrás de pinturas velhas e decrépitos antepassados de cera, com unhas dos pés duras e hálito com cheiro a mapas amarelecidos, cochichavam em sussurros sibilantes e estaladiços.
_Mas nós não podemos entrar-explicou Chacko-porque nos fecharam cá fora. E quando espreitamos pelas janelas, só vemos sombras. E quando tentamos escutar, tudo o que ouvimos é um sussurro. E não podemos entender o sussurro porque as nossas mentes foram invadidas por uma guerra. Uma guerra que ganhámos e perdemos. A pior espécie de guerra possível. Uma guerra que aprisiona os sonhos e os ressonha. Uma guerra que nos fez adorar os nossos conquistadores e desprezar-nos a nós próprios."