quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Procissão

Deambular por deambular, com um destino, mas apenas por andar por entre uma multidão de gente que se acotovela. Os pescoços esticados, erguidos na direcção do céu e os olhos cintilantes pela emoção ou pela fé. Ainda hoje me questiono sobre aquilo que a move, a ela, à multidão, ao povo.
O que é que me traz aqui?
O constrangimento de um sovaco que exala a acidez dos 36º Celsius, que ainda se fazem sentir. É de admirar porque já passam quase sete horas do meio-dia. Da metade deste dia, onde as andorinhas se queimam dentro dos seus ninhos, alimentam os filhos. Curiosamente estão em silêncio a esta hora, não chilream, não têm movimento. As que não cumprem o seu dever de mãe, contorcem as suas mínimas cabeças na sombra, nalgum ramo de uma qualquer árvore do jardim. As outras protegem os seus filhos, não sei se mães ou pais porque nunca consegui diferenciar o macho da fêmea. No entanto, presumo que sejam as fêmeas que alimentem as crias, tal como uma mulher alimenta um filho no seu ventre durante nove meses. Como às aves não lhes é permitido essa ligação, o privilégio de sentirem um ser desenvolver-se dentro de si, Deus encarregou-se de estreitar laços entre mãe e filho, certo que de outra forma, mas fê-lo. Uma forma externa e talvez por isso o desprendimento de não pertencer ao corpo de alguém não tem volta atrás. Mãe e filho deixam de se reconhecer a partir do momento que a cria consegue voar. Limitam-se a voar ao mesmo ritmo na sua romaria ao Sul no final do Verão. Mas é verdade que os preparam para a sua função, para voar. A mim ninguém me ensinou a viver. Também porque isso se vai aprendendo. Os erros sucedem-se e os momentos de felicidade acontecem, ocasionalmente porque nós os procuramos. E não devemos? A nossa missão não e ser feliz? Mas uma mãe está sempre lá a certificar-se que o caminho é o correcto, a preocupar-se por nós, pelo nosso saber ser e fazer. A partir do momento que existimos, que nos materializamos num ser visceral, que cresce dentro do seu útero, a missão daquela mulher é alterada, como que programada novamente numa linguagem de bytes no seu computador cerebral. Vivem para nos sentirem felizes.
Agora voam em bandos, suavemente junto às paredes de branco caiadas, matizam o céu azul, inócuo, mas pesado pelo calor. Já não estão em silêncio! Agitam-se em voos rasantes, dessincronizados, como que fugindo à propagação do som do estalar da pólvora. As que pousam nos ramos das árvores compõem uma sinfonia, vibrante, que ecoa nos ouvidos, milhares de seres dão vida às folhas quietas. As crianças assustam-se com os foguetes. Os cães ladram.
O ar ainda é pesado, mais pesado que a fé. Tocam os sinos! A multidão junta no adro da igreja espera pela imagem de Cristo a caminho do calvário. As suas almas vêm de perto, da freguesia e outras de longe, imigrantes que agradecem em preces as graças concedidas. As mulheres trajam roupas da última moda, desfilam a sua devoção e os homens mostram a sua força, carregam as imagens dos Santos.

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