segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

Fall


Regressamos hoje da província. Viemos com o sol do "Verão dos Marmelos". A temperatura amena convida-nos a longos passeios no campo, onde as folhas já nascem caídas no chão e a terra desprende um leve odor àquilo que não podemos pronunciar. As primeiras chuvas já molharam os campos. Vagueamos com os olhos postos na paisagem e o vento corta-nos a garganta com secura, como já o fizera o calor. As palavras perdem-se em ecos distantes, longíquos demais para que os possamos alcançar. O cão salta à nossa frente com o pêlo luzidío. Sempre lhe assentou bem este contraste de branco sobre o preto, claro no escuro, a luz na sombra, como o seu olhar triste que responde ao meu chamamento. O olhar! É no silêncio do olhar que encontramos as nossas palavras.

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Amigo

A amizade corre no tempo,
No tempo que vai voando
E lá vou eu andando
A fugir do contratempo.
Nesta noite de relento
Vou passando por entre ruas
Onde se encontram almas nuas
Buscando outra alma perdida
Como a minha que está retida
Por entre amizades cruas.

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

My shining star


Admirar alguém faz parte de nós próprios.
Por vezes, começa com uma simples ideia que partilhamos e que, quando cresce e se integra no nosso quadro de referência acaba por ser merecedor do mais profundo respeito. É assim como em tudo na vida. O melhor, diria eu, é quando admiramos quem vimos nascer e crescer e pudemos, de uma maneira ou de outra, ensinar ou partilhar experiências. Quando é alguém que amamos incondicionalmente.

segunda-feira, 27 de agosto de 2007

Quando olhamos para os outros não nos vemos a nós próprios, mas quando sofremos como eles, a nossa imagem aparece reflectida nos seus olhos.
Passo longas horas do meu dia entre o sofrimento e a alegria da vida, entre desaires de pessoas. Habituados a queixas de dor, um sorriso e a atenção devolve-lhes um pouco do sentido da vida, outrora perdido.
Hoje tive a outra perspectiva e agora sento-me em frente a um espelho a olhar para a minha imagem, procurando no fundo dos meus olhos encontrar algo que ficou.

sábado, 18 de agosto de 2007


Os longos dias esvaiem-se lentamente. Cada dia que passa traz-me a certeza de que o Verão, em breve, chegará ao fim. Águas envoltas na areia, ondulam memórias e arrastam o passado. Recordo cheiros, faces de pessoas, os meus amigos... Perco-me a olhar albúns cheios de fotografias, algumas ainda (muitas diria eu), dispersas em caixas. Penso que deveria perder tempo a organizar as provas desse tempo passado. Alguns já não estão entre nós. Os outros vão alegrando os meus dias à distância de um telefonema ou de uma breve recordação dos dias em que eu sonhava ser feliz. Tenho saudades dos tempos em que os tinha perto de mim, porque me importam, fizeram parte da minha construção... No fundo são pedaços de mim. Mas eu continuo aqui a ver o mar ir e voltar.

segunda-feira, 13 de agosto de 2007

Volver


Voltei!
Regresso ao meu universo, sem querer. A vida é um círculo e, queiramos ou não, voltamos sempre às nossas origens.
Trago a ilusão de quem desperta de um sonho, ainda adormecido.
A serenidade invade-me agora mas, tantas e tantas coisas há quem continuam a inquietar-me.

segunda-feira, 14 de maio de 2007

The Flower


Preciso de flores na minha vida
De côr,
Da alegria
E entusiasmo.
Tenho uma dádiva perdida
De dor.
Quero a magia
De sonhar acordado.

domingo, 13 de maio de 2007

Maio


O que me lembra Maio é o cheiro intenso de uma árvore.
Era uma árvore que ficava por cima de uma esquina, que não era uma esquina qualquer. Era uma esquina redonda de paredes brancas, caiadas e com rodapé de pó-de-sapatinho azul. Uma fresca mistura como na mais tradicional e antiga azulejaria portuguesa. Lembro-me do seu aroma adocicado cada vez que passava naquela esquina. O aroma da árvore que se desprendia, que se fazia anunciar à sua proximidade e que se prolongava e se continua a fazer sentir, não na minha memória olfactiva, mas no meu coração. A árvore frondosa sombreava o seu espaço e acariciava o véu pintado de azul, desbotado pelos raios de luz. Mas esta árvore não era uma árvore qualquer, era a árvore do paraíso. As suas pequenas e frágeis flores brancas de estames amarelos são os Paraísos e qualquer semelhança com a realidade será pura coincidência, porque me recordam o Paraíso, seja isso o que for.
Era no Mês de Maria que íamos pedir à Senhora da árvore um raminho de flores, os Paraísos. Em casa, lembro-me que a minha mãe arranjava os Paraísos e juntava-lhes cravos brancos, atava os pés das flores com fio e enrolava papel prateado em seu redor, como que a protegê-los, rematando com um laço em fita com as pontas bem grandes e pendentes. Ao cair da noite íamos em procissão, nós as crianças acompanhadas pelas vozes do povo, oferecê-los a Nossa Senhora. Devolvíamos as flores ao Céu, onde pertencem os Paraísos.

quarta-feira, 9 de maio de 2007

Minha


O Sol desce lentamente e um ar gelado ainda nos martiriza os cabelos, despenteia-os, enrijece a nossa pele. Os campos florescem, perdem-se de vista numa fracção de segundos. O velocímetro dispara. Vacas pastam. A paisagem está quieta, imóvel à nossa passagem. Pássaros passeiam em bandos, serpenteiam o horizonte. Parecem acompanhar o barco que se desloca para Sul, flutuando sobre a cúpula que coroa a cidade. O cheiro das primeiras flores invade a brisa com uma intensidade atordoante, que fere as narinas e percorre as tuas veias. Relembro os meus dias ali, entre o casario e a imensa planície que se estende a seus pés. Quando os dias cresciam, de repente, como a vontade de te percorrer com todos os meus sentidos, aligeiravamos a roupa e sorriamos nas esquinas e nas praças, vagueavamos pelas ruas e jardins e repusavamos os olhos no teu entardecer. Sempre foste um segredo bem guardado e mesmo agora, há distância de alguns anos, mesmo depois de te ter vivido, de viver o teu âmago, continuas misteriosa. Ergues-te para o imenso azul, onde refletes a tua alma de luz. Por vezes clara, outras vezes na penumbra dos becos continuas a olhar o horizonte, perdida de esperança.

Continuo a gostar de desvendar mistérios...

domingo, 29 de abril de 2007

Musa

Vi passear as Tágides no final de uma destas tardes. Levavam os seios a descoberto, os cabelos escorridos e sem pudor algum vagueavam por entre a multidão. As longas pernas franziam em pregas nos joelhos, escamas douradas e prateadas que reflectiam a luz, quase cegavam o povo que passava indiferente. Suspiravam entre si melodias e assobiavam o rebentar das ondas do mar no leito do rio. Os seus gestos doces, coreografados, agarraram a minha alma. Consegui vê-las! Estupefacto assisti ao ensaio da eternidade. Porque nem todos as podem ver...

domingo, 8 de abril de 2007

Fulgor


Há luz sem lume aceso
Mas sem amar o calor
À flor de um fogo preso
À luz do meu claro amor

Há madressilvas aos pés
E águas lavam o rosto
Dedos que tens em respeito
Oh, meu amante deposto

Não foram poemas nem prosas
Que colheste do meu colo
Foram cardos, foram rosas
Arrancadas do meu solo

Porque tu ainda me queres
O amor que ainda fazemos
Dá-me um sinal se puderes
Seremos amantes supremos

Será sempre a subir
Ao cimo de ti
Só para te sentir
Será do alto de mim
Que um corpo um só
Exala o seu fim.

sábado, 24 de março de 2007

Segue-me


Porque é que te perdeste no caminho, se eu sigo em frente?
Ainda te espero na encruzilhada. Na esperança de ver-te surgir, aguardo o amanhecer. Choro a cantar as minhas mágoas, a ouvir soluçar a água nos beirais. No ar ainda pesa a humidade.
Porque é que o tempo não pára? Sofreria menos por não te ter, mas prolongaria a tua lembrança.
Os teus olhos perseguem outro caminho, que não o meu abismo.
A tua língua desenvolta em mil idiomas, que não percebo porque não aprendi.
O teu corpo ondula pelos campos, que não me pertencem.
A tua mente dispersa-se além do meu sentimento.
Vem comigo.
Sei que ainda te posso amar!

quinta-feira, 22 de março de 2007

Eu sou assim


Às vezes você me pergunta por que é que eu sou tão calado
Não falo de amor quase nada, nem vivo sorrindo ao seu lado
Você pensa em mim toda hora, me come me cospe me deixa
Talvez você não entenda mas hoje eu vou lhe mostrar
Eu sou a luz das estrelas, eu sou a cor do luar
Eu sou as coisas da vida, eu sou o medo de amar
Eu sou o medo do fraco, a força da imaginação
O blefe do jogador, eu sou, eu fui, eu vou
Eu sou o seu sacrifício, a placa de contra-mão
O sangue no olhar do vampiro e as juras de maldição
Eu sou a vela que acende, eu sou a luz que se apaga
Eu sou a beira do abismo, eu sou o tudo e o nada
Por que você me pergunta? Perguntas não vão lhe mostrar
Que eu sou feito da terra do fogo da água e do ar
Você me tem todo o dia, mas não sabe se é bom ou ruim
Mas saiba que eu estou em você mas você não está em mim
Das telhas eu sou o telhado, a pesca do pescador
A letra \"A\" tem meu nome, dos sonhos eu sou o amor
Eu sou a dona de casa nos \"peg-pags\"do mundo
Eu sou a mão do carrasco, sou raso, largo e profundo
Eu sou a mosca da sopa, o dente do tubarão
Eu sou os olhos do cego e a cegueira da visão
Eu sou o amargo da língua, a mãe, o pai e o avô
O filho que ainda não veio, o início, o fim e omeio
O início, o fim e o meio

quarta-feira, 21 de março de 2007

A Primavera Revelada


Não a primavera interior, interdita, a da casa, nascendo dentro, entrando para as ruas, memórias breves, marcas eternas subitamente extintas, dissolvendo a parte fechada dos parques, absorvendo os narcisos, em infernos exíguos, agora antigos, não a primavera definida pelos aromas fixos, de interpretação impossível, a não ser na mutação dos corpos, no conhecimento das ínfimas estrias, no futuro então explícito, nas ruas de colunas ondulando ao ar frio, não essa primavera tardia, no futuro retida, mas a revelação revista, a sucessão das ondas, como quando a primeira primavera sobre o corpo corria.

domingo, 18 de março de 2007

Vou Procurar


Procuro-te por entre ruas, esquinas,
Prédios e fachadas, e não te encontro!
No meio da multidão, vejo gentes,
Raças, etnias, religiões, tudo menos tu.

Sinto-me desorientada no espaço, no tempo,
No pensamento e nas palavras.
Aquilo que me completava desapareceu!
Já não sou nada, já não sou ninguém.

O céu está nublado,
Tanto, que os arranha-céus desapareceram.
E se estás lá bem no alto?
Sem eu te poder ver, ajudar, e completar?

Junta-te a mim, não fujas.
Procura-me no teu profundo sentimento de perda,
E de certeza que me achas,
Alma minha!

terça-feira, 13 de março de 2007

Mudam-se os tempos


Observo-o a mudar. Não é o mesmo homem que entrou nesta casa, seis, sete meses atrás. Algo, da mesma natureza poderosa das metamorfoses, vem operando no seu íntimo. É talvez, como nas crisálidas, o secreto alvoroço das enzimas dissolvendo órgãos. Podem argumentar que todos estamos em constante mutação. Sim, também eu não sou o mesmo de ontem. A única coisa que em mim não muda é o meu passado: a memória do meu passado humano. O passado costuma ser estável, está sempre lá, belo ou terível, e lá ficará para sempre.

quinta-feira, 8 de março de 2007

segunda-feira, 5 de março de 2007

Esta voz que me atravessa


Esta voz que me atravessa
Sem que eu queira, sem que eu peça
Não mora dentro de mim
Vive na sombra a meu lado
Dando ao meu fado outro fado
Que me faz cantar assim

Trago cravado no peito
Um resto de amor desfeito
Que quando eu canto me dói
Que me deixa a voz em ferida
Pelo pranto de outra vida
Que eu nem sei que vida foi

E quando canto há quem diga
Que esta voz de rapariga
É mais antiga do que eu
Estava aqui à minha espera
Não morreu com a Severa
Quando a Severa morreu!

sexta-feira, 2 de março de 2007

E então fiquei...


Parada à esquina do tempo
Esperei por ti
E não voltaste!
Sentada a um canto da vida
Esperei por ti
E não chegaste!

quinta-feira, 1 de março de 2007

Sonho


Vejo que a chuva ainda cai lá fora, na noite crua. Surpreendeu-me neste serão ainda frio, ao arrepiar-me os diminutos cabelos da nuca. O sentimento da tua ausência confunde-se com o vento, como quem te viu ir para algum sítio sem saber bem para onde e te continua a procurar sem sabe porquê. O vento é frio. Aconchego-me na pele coçada, desbotada da poltrona e puxo a manta raiada.
Poderias estar comigo, mas preferes as luzes ténue dos candeeiros da rua, que cintilam. Não os consigo ver da janela, mas alcanço uma aureula que aclara o negro do céu, sombreiam a cal das paredes. Sei que te perdes lá fora, algures continuas a sorrir, como sempre. Moves-te bem, em sintonia com o espaço e caminhas firme, com a segurança de quem conquista o mundo.
Saberia dizer que a solidão de uma sala cheia ainda me incomoda, mas aprendi que prefiro ter-te no meu pensamento, embora já embalado num sonho.
Perco-me num vazio e frio labirinto. A manga da camisa foi agarrada pelos ramos secos dos arbustos que me cobrem a cabeça e a vista de ti. Despedaça-se em grossos farrapos. Corro sem direcção porque os meus passos são curtos demais para chegar a ti. Não te alcanço! Sinto o teu odor no ar e persigo os teus passos. Ouço os pequenos duendes da floresta sussurrarem à minha passagem, repentina e ofegante.
_ Persegue-os o amor!_ dizem.
Apercebo-me que os seus olhos se entristecem quando me olham. Eles sabem que corro em vão.

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2007

Atrás de ti...


Senão todos algum
de nós reproduz diversos os mesmos lugares.
E aquela que entra no verso para o percorrer
atrás da tua sombra serei eu.

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007

Canção de embalar


Dorme meu menino a estrela d'alva
Já a procurei e não a vi
Se ela não vier de madrugada
Outra que eu souber será p'ra ti

Outra que eu souber na noite escura
Sobre o teu sorriso de encantar
Ouvirás cantando nas alturas
Trovas e cantigas de embalar

Trovas e cantigas muito belas
Afina a garganta meu cantor
Quando a luz se apaga nas janelas
Perde a estrela d'alva o seu fulgor

Perde a estrela d'alva pequenina
Se outra não vier para a render
Dorme qu'inda a noite é uma menina
Deixa-a vir também adormecer

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2007

Bruma...


Vinham rosas na bruma florescida
rodear no teu nome a sua ausência.
E ai se coroavam, e tingiam
a apenas sombra de sua transparência.

Coroavam-se a si. Ou no teu nome
a mágoa que vestiam madrugava
até que a bruma dissipasse o bosque
e ambos surgissem só lugar de mágoa.

Mágoa não de antes ou de depois. Presente
sempre actual de cada bruma ou rosa,
relativos ou não no espelho ausente.

E ausente só porque, se não repousa,
é nome rodopio que, na mente,
embruma a brisa em que se aviva a rosa

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2007

Acordado!

"De manhã, quando as portas estavam fechadas, todos queriam entrar; agora que ele tinha aberto uma das portas e as outras, ao que tudo indicava, tinham sido abertas durante o dia, não vinha mais ninguém, e as chaves estavam todas na fechadura pelo lado de fora."

terça-feira, 20 de fevereiro de 2007

Sanvean (I am your shadow)

Te extraño, te olvido, te amo...


"Te extraño, porque vive en mi tu recuerdo
te olvido, a cada minuto lo intento
te amo, es que ya no tengo remedio
te extraño, te olvido, te amo de nuevo..."

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2007

Mas que sei eu


Mas que sei eu das folhas no outono
ao vento vorazmente arremessadas
quando eu passo pelas madrugadas
tal como passaria qualquer dono?
Eu sei que é vão o vento e lento o sono
e acabam coisas mal principiadas
no ínvio precipício das geadas
que pressinto no meu fundo abandono
Nenhum súbito súbdito lamenta
a dor de assim passar que me atormenta
e me ergue no ar como outra folha qualquer.
Mas eu que sei destas manhãs?
As coisas vêm vão e são tão vãs
como este olhar que ignoro que me olha

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2007

Coisa Assim


S'eu morrer de amor por ti
Ai leva-me a enterrar
Dentro daquela careta
Que fizeste numa hora
Em que me estavas a olhar
E a rir te foste embora
E eu quase vi o meu fim
Se eu morrer ou coisa assim
Faz desse riso um cantar
Para te lembrares de mim

Neste corpo dimensão
Que volume tem a crença
Qual a forma da diferença
A altura da paixão
A medida do valor
A largura da razão
A proporção do amor
Qual o tamanho do medo
A geometria da mão
O que é que nos mede a dor

Disse-te adeus quem diria
Eu até nem dei por nada
E digo mais nem sabia
De história tão mal contada
Nem mentira nem verdade
Mas como é que isso se sente
É como se o tempo um dia
Descobrisse a realidade
E a prendesse de repente
A ficar eternidade

terça-feira, 13 de fevereiro de 2007

Clock

O meu olhar encontrou o teu, esvaimo-nos em sorrisos tortos, conversas de café. Cheguei a corar uma ou outra vez! Tinha dificuldade em te encarar, porque os meus olhos encontravam a luz dos teus. Fitava-te cegamente, senti penetrares o meu sorriso. Perdia-me. Falei sobre um livro presente, um rasgo da minha imaginação daquilo que quis ser algum dia, mas que ficou perdido e já não interessa. Ou melhor, interessa só pela contemplação do belo, pelo poder que a arte evoca no meu corpo. O certo é que ainda me deslumbro, por vezes, emociono-me.
Fixei a retina no relógio de cuco suspenso atrás de mim. Ansioso por ver-te segui o fino ponteiro, quase irreconhecível, que percorre menos de metade de um quarto do círculo imaginário, que não viola o imaculado mostrador branco de um retábulo que se confunde com a clara parede _ o relógio de cuco. Guardo-o comigo, a ele e à projecção da sua sobra sob uma ténue luz, que apazigua o espaço. Torna-o quente, enquanto a tua presença me distrai e faz vibrar. A sombra ganhou contornos reconhecíveis, agora. Voltei a encontrar-te depois de rodopiar sobre mim. Mas já não sei se continuas ali ou se partilhas apenas o mesmo espaço. Um espaço que nos era comum, onde possivelmente nos teríamos cruzado e onde te encontrei.

domingo, 11 de fevereiro de 2007

Soneto do Amor Difícil

A praia abandonada recomeça
logo que o mar se vai, a desejá-lo:
é como o nosso amor, somente embalo
enquanto não é mais que uma promessa...

Mas se na praia a onda se espedaça,
há logo nostalgia duma flor
que ali devia estar para compor
a vaga em seu rumor de fim de raça.

Bruscos e doloridos, refulgimos
no silêncio de morte que nos tolhe,
como entre o mar e a praia um longo molhe

de súbito surgido à flor dos limos.
E deste amor difícil só nasceu

desencanto na curva do teu céu.

sábado, 10 de fevereiro de 2007

Quero-te

Queria poder ver-te
todas as horas do dia
e poder
viver a tua alegria

Pegar-te na mão,
percorrer o teu corpo
E abraçar-te,
eternamente

Queria poder
impregnar-me de ti,
sentir o teu cheiro
atordoar-me os sentidos

Já não te vejo,
apenas te guardo comigo
inquietas-me a alma
mesmo que tenhas fugido

Quero-te!

Deixa

Deixa o bater das asas
e a correnteza
deixa

deixar beijar o ar
na beira da praia
deixa

um rabo de arraia
o mar
vai sem demora
a nuvem desmaia
deixa
o tempo passar

deixa
o tempo parar

deixa ser côr
de azul
de ser você
deixa o tempo passar

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2007

Cristal


Tinha algum vinho ainda o copo que atirei
Por cima do meu ombro e foi cair ao Tejo
De madrugada, amor, e havia esse lampejo
Do fogo em teu olhar a impôr-me a sua lei

Da minha sombra à tua, em sombras pelo cais
Tinha um som ainda rouco o fado que eu cantava
Tão perto já de ti, não sei se respirava
Nem se era para sempre ou para nunca mais

Meu amor, meu amor, por quanto me dizias
Estranho murmurar levado pelo vento
Por quanto era paixão e agora é desalento
O meu rosto estremece em águas tão sombrias

Por quanta embriaguês então nos consumiu
Fiquei como o cristal, mas creio que esqueceste,
Do copo em que eu bebi e tu também bebeste
Que foi cair ao rio e nele se partiu

terça-feira, 6 de fevereiro de 2007

Não

Não me atrevo a comentar as doces palavras que escreves ou os sussurros que oiço da tua alma.Sinto a proximidade, que é inevitável e o desejo de te ver que me assalta cada manhã, todos os dias, para todo o sempre. Algo me diz que não é para sempre, porque nada é para sempre. Mas contento-me com pouco, como diriam na aldeia. Alegro-me por te ver. Não comento. Nada digo! O silêncio quer dominar-me. Nem deveria escrever estas palavras. Deveria limitar-me a ver-te desaparecer, enquanto o cheiro da tua pele ainda se confundisse comigo... Como se fosses parte de mim, um odor vibrante e luxuriante de alegria, que se esvai, se evapora. Foge!

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2007

Não...

Se ouves a mesma música
Não sei,
Se sonhas com o amanhecer
ou com a aurora perdida.
Se me trazes contigo,
Não sei!
Se quero dar ou vender
a inocência perdida.

sábado, 3 de fevereiro de 2007

Noite

"Fosse eu um brilho teu
Que brilhando, brilhasse
P'ra iluminar teu céu
Noite, sou só um triste olhar
Que se perde nos olhos
De quem me quer olhar "

O fascínio da noite cantada, que me enleva a alma com a tua presença, sem explicar.

"As vidas prendem-se às vidas
Com grades insuspeitadas"

Estranho!

Como um ladrão que nos invade a casa a meio da noite. Furtivo, dilacerante penetra no nosso corpo. Acaba por nos rasgar a alma corrompida pela tristeza ou por algum outro sentimento. A pureza, essa abandonei-a à muito...

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2007

Serei?


Não sou nada.

Nunca serei nada.

Não posso querer ser nada.à parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.




O Quinto Elemento

Acordo! A manhã é diferente.O chilrear dos últimos pássaros que habitam as copas das árvores, anunciam a luminosidade sombria do dia. As nuvens flutuam agora, passados os dias de fastio, quentes e longos, ainda frescos na memória e na pele. Olho pela janela. A rua está deserta! Apenas o Sol, melancólico, faz brilhar as gotas de orvalho esquecidas pela madrugada.Saio de casa debaixo de um céu cinzento e sóbrio que se adensa sobre a minha insignificante pessoa. De repente sinto-me rodeado de uma Natureza intacta, provocada apenas por um sopro de ar gélido, que me arrepia. Encontro o António. Vejo-me nele.Os plátanos, outrora verdes, vestem-se agora de um colorido amarelo ocre que domina o espaço à minha frente. Erguidos com supremacia, tocam as nuvens, perfuram-nas como uma rocha aguçada rasga um barco de borracha e desintegra a sua frágil e vulnerável forma e mostram as suas garras que emergem deste solo rico, por vezes árido e infértil, da planície alentejana. Caminho mais um pouco, parando ao som do ranger das rodas de um carro de mula sobre a calçada de paralelos. O seu condutor, um velho, em cujo rosto estão marcadas as mágoas e as saudades de um passado longínquo que os seus olhos querem ver projectados no futuro, mas não alcançam. As suas mãos agrestes, representam o saber de quem tem uma grande experiência de vida. Conhecem como ninguém a dureza da enchada que talha a terra. Têm a lembrança de um sol abrasador que se revela no Verão, escaldante, na solidão dos campos de trigo, nas vinhas e nas costas de todos os que as trabalham.Sem mais pensar em nada, afigura-se-me na mente a vinha onde trabalhei no Verão passado! Aí tive o contacto mais directo com as pessoas da vila, o trato de igual para igual, o verdadeiro companheirismo… Com aqueles que trabalham no campo, que coabitam na sua simplicidade a vida, no infortúnio de uma alegria que é viver a cada momento que se morre, mas sem que disso se apercebam, ou melhor, finjam não aperceber-se. E fazia muito calor! A sua boca gritava o verdadeiro sentido da palavra simplicidade, quando as gargantas secas, requeriam água que lhes matasse a sede. À hora de almoço, reuniamo-nos debaixo de um chaparro que havia no alto de uma colina, de onde se avistava a vila, resplandescente de calma. A estrada de alcatrão rasgava as searas douradas. Os montes, pequenas colinas, davam relevo ao traço distante do horizonte que o Criador manchava de laranja e vermelho e um sem fim de amarelos, no final de cada tarde… E havia também tons de azul e pássaros a voar em bandos, pássaros com asas soltas ao sabor do vento Suão, navegando sem rumo. Eu, lembro-me, em pé, maravilhava-me com o sentimento que me proporcionava o pôr-do-sol. Sabia que anunciava a noite, mas era nesse momento que tinha a certeza de um novo dia, mesmo que eu já não o habitasse.As badaladas do sino da torre da vila propagam-se pelo infinito, atordoam-me os sentidos, sinto-as finalmente acariciarem-me os tímpanos. É este som etéreo que me faz regressar ao presente. Diambulo entre sussurros que flúem nas travessas das ruas, nas encruzilhadas de caminhos, onde casinhas, completas sinfonias de branco caiadas convivem harmoniosamente com casarões antigos, cúmplices de segredos seculares, tal como a mais sincera das amizades. Recordações, hábitos e tradições, as nossas raízes, que nos fazem esquecer a proximidade ao terceiro milénio.O último passo de uma escada faz-me sentir o aroma da terra batida, molhada, que se mistura com o cheiro das castanhas que estalam no fogo incandescente de uma fogueira. Continuo a andar vagarosamente, olhando o meu entorno e detenho-me, por alguns segundos, frente a um lago onde algumas folhas flutuam. Vejo a minha imagem reflectida na água, enquanto o vento, incita as folhas secas, inertes, caídas no chão, a brincar. Elas correm com o vento. É como se voltassem a estar animadas… Pisar a terra provoca-me uma satisfação que me invade o pensamento e o espírito. A beleza deste quadro vivo faz-me pensar na minha existência. Ver conjugados os quatro elementos da Natureza, transporta-me para a imensidão do quinto elemento, a existência, a condição da vida e de ser humano. O que sou, o que faço no mundo, o porquê de tudo, até de morrer. Sim! Porque me intriga o nada ser depois da morte, de acabar o ser vigoroso que eu sou, o não pertencer a este mundo, o não obedecer à dinâmica da vida. Até este simples banco de jardim, isolado, onde me sento e reflicto, existe. Pertence à minha realidade, tal como a pinto, apesar de ser desprovido do essencial: a vida, os sentimentos, os desejos…Eu sou parte integrante deste cenário deslumbrante, cuja criação me transcende, já que a minha existência elementar é dominada pela Natureza, que ao mesmo tempo, a mim se subordina. Conheço essa Natureza como ao meu suspiro perante a noite, como ao choro do luar de Agosto e à melancolia tardia das noites de Maio. Porque à noite, é inevitável mergulhar no indecifrável azul do céu e enxugar as lágrimas prateadas da Lua. Estas iluminam a nossa existência e permitem reconhecer as nuvens, que se assemelham a perfis, silhuetas, irreconhecíveis, que se esvaem no meu pensamento… É o deslumbramento da alma perante a grandiosidade do Universo, de uma acção, de uma simples acção… O algo que fazemos habita o ínfimo do espírito para toda a eternidade do nosso ser. Mesmo que não estejamos presentes.Um gesto brusco descobre uma majestosa noite, elevada pelo charme de uma luz forte, que a circunda, sob uma abóbada de pequenos pontos que teimo em observar. Lá fora as cegarregas cantam sem cessar. De novo a aura da Lua! Sinto-me cheio, pleno de vida e revoltado com a efemeridade daquele momento, daquela sensação ser única. O meu grito forma-se nas entranhas de um corpo palpável em que vive a liberdade de um ser maior perante mim, e ao mesmo tempo, de um ser mínimo, diante dos sentimentos. Grito! Grito porque quero e posso e porque sei que a existência da felicidade não se traduz por uma palavra, mas sim pela incapacidade de a conhecer integralmente e a impossibilidade de a saber explicar aos outros.A noite traduz-se numa alvorada que ouço, ainda que longe, mas ouço-a. No relógio pendurado na parede, as horas passam lentamente. Esse sentimento de lentidão é recíproco na minha alma e na minha cabeça. Acendo um cigarro e caminho para a luz, encosto-me à ombreira de uma porta aberta sobre a planície. Está fresco o ar! Abro a porta às minhas recordações, sim… às memórias que o tempo deixou retidas no meu pensamento.A infindável noite que se abate e atravessa a própria reversibilidade da cor do céu e da linha horizontal que serve de ponto de partida para todas as viagens da minha mente. Leva-a. Leva-a, mas não a deixes voltar a este mundo real e à capacidade de ser uma potencial vítima desse tão falado rigor, que não existe. Não me devolvas à realidade que em nada é sonho. Ou será que é uma real utopia? Uma visão fantástica da realidade e da felicidade ou um delírio numa noite de febre, em que o rubor do termómetro acelera o ritmo quente da imaginação humana. Essa imaginação, minha e nossa, mas muito própria de cada um. Mas traz-me de volta. Deixa-me voltar ao mundo dos vivos, porque quem vive na ilusão não pertence ao mundo dos ignorantes e não pode conhecer quem o faça feliz. E como pode haver conhecimento sem que haja ignorância? Eu quero viver na ignorância para poder conhecer a realidade. Porque o irreal só existe porque há real e eu sou uma realidade… Apesar de concreta aos olhos dos outros, sou uma realidade sem definição ou contorno possível de descrever… o nosso ser é indescritível.Cada vez mais, a cor escura do céu se esbate num amarelo resplandescente que cega os olhos mas apura a vida. O despertar da vida, esquecida na vila, mas apenas apaziguada nos campos.E eu fui feliz.

A Casa da História

"Com um chão frio de pedra e paredes sombrias e sombras ondulantes em-forma-de-navio. Lagartos roliços e translúcidos viviam atrás de pinturas velhas e decrépitos antepassados de cera, com unhas dos pés duras e hálito com cheiro a mapas amarelecidos, cochichavam em sussurros sibilantes e estaladiços.
_Mas nós não podemos entrar-explicou Chacko-porque nos fecharam cá fora. E quando espreitamos pelas janelas, só vemos sombras. E quando tentamos escutar, tudo o que ouvimos é um sussurro. E não podemos entender o sussurro porque as nossas mentes foram invadidas por uma guerra. Uma guerra que ganhámos e perdemos. A pior espécie de guerra possível. Uma guerra que aprisiona os sonhos e os ressonha. Uma guerra que nos fez adorar os nossos conquistadores e desprezar-nos a nós próprios."